sobre controle e o que intencionalmente eu escolho não controlar
Desde 15 de janeiro nos encontramos. Sou, e encontrei um monte de mulheres que como eu é, cabeçuda. Estamos nos encontrando há nove semanas, porque nos demos uma folga no que seria o tal do Carnaval, e nesse intervalo lemos 1.030 páginas de histórias escritas por outras mulheres. No meio de uma pandemia. Enquanto líamos, 83 mil pessoas perderam suas vidas por causa do coronavírus. É gente pra encher mais de três vezes a linda cidade de Pirenópolis, que tantas de nós conhecemos, porque há 17 anos várias de nós moramos em Brasília, e Pirenópolis foi um de nossos tantos destinos certos.
Mil e trinta páginas. Uau.
Não foi fácil como parece, claro, por motivos de pandemia. E ontem, que seria o último dos nossos encontros, aquele em que a gente falaria sobre Afetos Ferozes, da Vivian Gornick, a gente demorou a chegar, e chegando foi revelando que várias não deram conta de terminar a leitura. A vida tem nos exigido mais do que nunca. Uma de nós tinha o filho com febre. Conversando ali, no calor da coisa, decidimos adiar o papo. A vida atravessou nosso compromisso e tudo bem, sabe por que? Porque não é um curso, não tem powerpoint, nem certificado, não tem nem lacração. A vida atravessa - e ela atravessou, intencionalmente atravessando, porque pandemia. E ainda que não vivêssemos uma pandemia, o que eu quero fazer da vida é e não é sobre literatura. É sobre criar condições de estarmos juntas, nesse exato chorar e rir, se desentender, ceder a fala, ouvir, ver cair a ficha, ter vontade e escrever, mandar seu texto, ter suas palavras recebidas.
A literatura é só o ponto de partida.
Olhando pra trás, 1.030 páginas, penso que em janeiro eu estava doida de propor um negócio desses vendo as pessoas retomarem suas vidas. Eu sabia já lá que ia dar ruim, muito ruim. Penso que agora, março, ainda bem está acabando essa história de roda. Porque eu ando muito derrubada, cada semana mais cansada, mais assustada, hoje certamente o dia em que mais chorei desde novembro de 2020. Mas 1.030 páginas, uau, e nos demos as mãos, nos soubemos para além das sextas, e teve até adoção de gato, gente.
Não é nada - mas é muito.
Foto de Victor Moriyama no Copan, em São Paulo.